Após 10 meses, polícia se aproxima dos culpados pela morte de Marielle Franco
Brasil
Prisões preventivas foram autorizadas pela Justiça para deter organização criminosa, Escritório do Crime, que pode ter ligação com o assassinato da vereadora e de seu motorista, Anderson Gomes.
A ofensiva contra o Escritório do Crime, uma das milícias mais atuantes no Rio de Janeiro, lança luz sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes. O duplo homicídio ocorreu em 14 de março de 2018. Ao deflagrarem a operação Os Intocáveis, responsável por investigar milicianos que agem em Rio das Pedras, as autoridades do estado prenderam cinco pessoas suspeitas de envolvimento na execução da parlamentar e de seu funcionário. Os principais alvos foram o major da Polícia Militar e ex-capitão do Batalhão de Operações Especiais – Bope, Ronald Paulo Alves Pereira, o subtenente reformado da PM, Maurício Silva da Costa, e Adriano Magalhães da Nóbrega, chefe da milícia de Rio das Pedras.
Segundo reportagem especial do O Globo sobre a atuação dos membros do Escritório do Crime, o Ministério Público encontrou “fortes indícios” de que Marielle atravessou o caminho dos milicianos, o que teria resultado em sua morte. A questão fundiária na região de Rio das Pedras, incluindo o projeto de verticalização da comunidade, pode estar por trás do crime.
A pretexto de que alargaria ruas e acabaria com as enchentes na comunidade, a prefeitura do Rio de Janeiro cogitou autorizar construtoras a fazerem o saneamento básico do lugar em troca de erguerem prédios de até 12 andares na região. Haveria, inclusive, emissão de Certificados de Potencial Adicional de Construção – Cepacs, o que permitiria o aumento do gabarito de construção.
Ainda de acordo com O Globo, a interferência teria causado prejuízos à milícia de Rio das Pedras e cercanias. A prefeitura acabou decidindo abandonar o projeto devido à pressão de parlamentares, principalmente da equipe da vereadora do PSOL. Contudo, antes de o Poder Público desembarcar da iniciativa, milicianos já teriam investido pesado em empreendimentos, como condomínios de prédios e até shoppings, em regiões próximas que receberiam os desapropriados. Em retaliação, teria vindo a ordem para matar Marielle, bem como de quem estivesse em sua companhia no dia marcado para ela ser executada.
Carro e munições – Rio das Pedras, principal foco da operação de ontem,22, é justamente a região em que as investigações do caso Marielle comprovaram, por meio de imagens do circuito de segurança de vias e estabelecimentos comerciais, que o carro usado na execução da vereadora e do motorista passou por lá. O Cobalt prata, com placa clonada, teria partido de Rio das Pedras, passando depois pelo Quebra-Mar, na Barra, antes de acessar a Estrada do Itanhangá e seguir pelo Alto da Boa Vista até a Tijuca.
Outra evidência que demonstra a participação deles no crime é que o celular bucha – telefone cujo número está registrado com o CPF de terceiros – de um dos suspeitos foi detectado no raio de abrangência de uma das antenas próximas ao local onde a parlamentar foi assassinada. Marielle e Anderson foram executados numa emboscada, no dia 14 de março, no Estácio, na Zona Norte do Rio.
Para o Ministério Público há fortes indícios de que a vereadora Marielle Franco atravessou o caminho dos milicianos, o que acabou resultando em sua morte. A questão fundiária na região, incluindo o projeto de verticalização da comunidade pode estar por trás do crime.
Outra prova importante que liga o Escritório do Crime ao caso Marielle é que a munição usada no duplo assassinato, UZZ-18, foi a mesma empregada em pelo menos outros três casos ligados aos matadores da organização criminosa.
Apesar das novas prisões, a promotoria e a Delegacia de Homicídios da Capital não descartam a possibilidade da participação do miliciano Orlando de Oliveira Araújo, o Orlando Curicica, e do vereador Marcello Siciliano, nas mortes de Marielle e Anderson. De acordo com as investigações, o parlamentar ainda figura como suspeito de ser o mandante e Curicica, por estar preso na época do crime, pode ter feito o contato com o “Escritório do Crime” para executar a vereadora, o verdadeiro alvo.
Flávio Bolsonaro – Apesar do foco da ação ser o combate às milícias, a operação deve desgastar ainda mais o primogênito do clã Bolsonaro no caso Queiroz. Isso porque, a mãe e a esposa do capitão Adriano Magalhães da Nóbrega trabalhavam no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio. Além do parentesco com suspeito do envolvimento na morte de Marielle e Anderson, a mãe do policial é mencionada no relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras – Coaf como sendo responsável por parte dos depósitos feitos na conta do ex-motorista Fabrício Queiroz. Ela e Danielle foram exoneradas do gabinete de Flávio em 13 de novembro, segundo consta no Diário Oficial.
Em nota, Flávio Bolsonaro afirmou ser “vítima de campanha difamatória com o objetivo de atingir o governo de Jair Bolsonaro”. Segundo ele, “a funcionária que aparece no relatório do Coaf foi contratada por indicação do ex-assessor Fabrício Queiroz”. De acordo com o senador, ele não pode “ser responsabilizado por atos que desconhece”.
Queiroz é citado no relatório do Coaf após ter sido identificada movimentação atípica no valor de R$ 1,2 milhão em sua conta entre 2016 e 2017, valor incompatível com seus vencimentos de assessor parlamentar segundo o órgão. De acordo com ele, o valor seria fruto de operações de compra e venda de carros usados. Depois que o caso veio à tona, o ex-motorista de Flávio desapareceu. Segundo o colunista do Globo, Lauro Jardim, ele ficou abrigado por duas semanas em uma casa na comunidade Rio das Pedras, onde a milícia alvo da Operação Intocáveis agia.
Nos últimos dias, documentos do Coaf divulgados pelo Jornal Nacional apontam que Flávio realizou pagamento milionário de título bancário, além de ter recebido R$ 96 mil pagos em espécie, em vários depósitos de R$ 2 mil. Ele afirma que o título é referente ao pagamento de imóvel adquirido na planta, e que os depósitos são fruto da venda de um apartamento – o comprador, Flávio Guerra, confirma a compra. Segundo ele, a opção por realizar vários depósitos no caixa eletrônico foi feita para evitar “pegar fila” na agência bancária. No entanto, as datas dos depósitos fracionados divergem dos pagamentos registrados na escritura de venda do imóvel.