Agenda de reformas de Bolsonaro ganha força com vitória do DEM no Congresso Nacional
Política
Mesmo sem número suficiente para aprovar reforma da Previdência, governo vê na eleição de Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre chance para aprovar sua agenda de campanha
Definidas as presidências da Câmara dos Deputados e do Senado Federal por Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, respectivamente, parlamentares do Democratas, que era PFL, foi PDS e Arena, que dava sustentação à ditadura militar, e com ministérios formados em sua maioria por militares, os movimentos sociais, sindical e a população precisam se preparar para a dura agenda do governo, como reformar a Previdência, reduzir a maioridade penal, reformular o Estatuto do Desarmamento e privatizar estatais.
Embora Bolsonaro tenha saído fortalecido com as eleições dos comandantes do Legislativo brasileiro pelos próximos dois anos, que tem agora um presidente da Câmara que se diz independente, mas que apoia as reformas que o governo pretende apresentar, especialmente a da Previdência, e um presidente do Senado que foi apoiado diretamente pelo seu ministro chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, o governo terá que mudar a estratégia propagada na eleição de não negociar com partidos caso queira aprovar sua agenda de campanha.
Rodrigo Maia já informou que o governo não tem os 308 votos necessários para aprovar a proposta de Emenda à Constituição da reforma da Previdência. No Senado, onde são necessários 49 votos, Bolsonaro pode ter em Renan Calheiros (MDB/AL), derrotado na eleição para presidir a Casa, como um adversário influente. Além disso, os senadores têm uma questão importante que envolve o filho mais velho do presidente da República. Trata-se do que fazer com o recém-empossado senador Flávio Bolsonaro, suspeito de reter salários de funcionários de gabinete quando era deputado estadual no Rio e de manter relações com milicianos. A oposição ao governo estuda levar o caso à comissão de ética do Senado.
Base governista – Segundo estudo do Diap, o atual governo conta com “apoio consistente” de 256 deputados e 37 senadores. Nesse bloco estão os partidos mais à direita do espectro político, de perfil liberal e visão mais conservadora, como o próprio PSL, partido do presidente, e o DEM, que acabou levando as presidências das duas casas legislativas.
Com esse apoio, segundo o Diap, o governo teria votos suficientes, na Câmara dos Deputados, para aprovar matérias na esfera infraconstitucional, especialmente leis ordinárias e medidas provisórias, que exigem maioria simples, mas necessitaria negociar com os partidos do centro, classificados como de apoio condicionado, para aprovar leis complementares e emendas à Constituição”. No Senado, o apoio consistente não é suficiente sequer para formar maioria simples, sendo necessário buscar o entendimento com outros partidos.
O Congresso que tomou posse na sexta-feira reúne o menor número de parlamentares declaradamente governistas dos últimos 24 anos. Na Câmara, a base oficial de Jair Bolsonaro representa 22% das cadeiras, enquanto no Senado não passa de 8% – levando-se em conta as coligações oficiais e os apoios já anunciados.
Por conta disso, é necessário que os movimentos sociais e sindical aproveitem o momento para evitar que o governo aumente o quórum e também tentar reverter alguns votos. O plano de lutas unitário divulgadas pelas principais centrais sindicais do país em janeiro precisa ser posto em prática. Mobilização nas bases, reuniões locais com os trabalhadores e até greve geral não pode ser descartada.
Votação – Errou quem achou já ter visto de tudo em uma sessão do Senado brasileiro. Teve barraco, gritaria sobre modelo de votação, senadora Kátia Abreu (PDT-TO) roubando pasta com documentos da votação, princípio de briga entre Renan e Tasso Jereissati (PSDB/CE), senador Acir Gurgacz (PDT-RO) preso em regime semiaberto fiscalizando eleição para presidente do Senado, 82 votos com 81 senadores, votação cancelada duas vezes, José Maranhão (MDB-PB) anunciando pelos microfones que “daria uma mijada” e Renan Calheiros desistindo da candidatura no meio da votação.
Como bem lembrou a série americana sobre política, House of Cards, fica difícil competir com a política brasileira após a sessão que consagrou Davi Alcolumbre presidente da Casa após manobras regimentais e discussões acaloradas.
Alcolumbre já havia sido protagonista na sessão de sexta-feira, 1. Ele assumiu a presidência da Mesa Diretora na abertura dos trabalhos legislativos em 2019. Isso ocorreu porque era o único remanescente da Mesa Diretora da legislatura anterior. Trata-se de uma regra que consta do regimento interno do Senado. Mas havia um problema: o mesmo regimento proíbe candidatos ao comando do Senado de presidir a sessão da eleição. Alcolumbre argumentava que ainda não tinha oficializado a candidatura, portanto, poderia continuar ali. Havia ainda o impasse sobre o modelo de voto.
Discussão sobre o voto secreto – Renan e aliados defendiam o voto secreto. Na teoria, é modelo defendido a partir da ideia de independência do Poder Legislativo em relação ao Poder Executivo. Um parlamentar pode votar contra os interesses do governo sem que sofra eventuais retaliações no futuro. Renan tem forte influência sobre os colegas, mas é um político com imagem fortemente desgastada. Alcolumbre e outros parlamentares, incluindo alguns opositores do governo, defenderam o voto aberto, em nome da transparência. Queriam também usar o voto aberto para constranger senadores que apoiavam Renan, em razão do desgaste de sua imagem. Chegaram a aprovar em plenário, por 50 votos a 2, o uso do modelo de voto aberto na sexta-feira. Mas houve questionamentos.
O regimento só prevê a mudança de regras do jogo por unanimidade, o que não ocorreu na votação sobre o tipo de voto na eleição do Senado. Esse argumento levou aliados de Renan ao Supremo. Na madrugada de sábado, 2, o presidente do Tribunal, Dias Toffoli, decidiu que o voto seria secreto. Toffoli também determinou que o presidente da sessão seria José Maranhão (MDB-PB), pelo fato de ser o parlamentar mais velho da legislatura, algo também previsto no regimento. Ou seja, uma disputa do Poder Legislativo, com ação nos bastidores do Poder Executivo, acabou tendo seu rito definido pelo Poder Judiciário.
Suspeita de fraude na votação – O segundo dia de votação já começou com discussões se o voto secreto seria em papel ou eletrônico. O presidente da sessão, José Maranhão, deu início à votação em cédulas de papel. Muitos parlamentares, em protesto à decisão de Toffoli, declararam seus votos, inclusive mostrando a cédula ao plenário antes de colocá-la nas urnas. Quando a Mesa Diretora começou o processo de apuração, com a contagem inicial do número de votos, houve uma surpresa: havia 82 cédulas, uma a mais do que o número total de senadores. Após muita discussão e acusações de “fraude”, decidiu-se por uma nova votação.
A votação recomeçou e mais senadores passaram a abrir o voto publicamente antes de depositar a cédula. O PSDB orientou sua bancada a declará-los. Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), primogênito do presidente, que havia votado secretamente na primeira rodada, declarou voto em Alcolumbre. Renan então foi à tribuna e anunciou a desistência da candidatura.
Com a saída de Renan, alguns senadores chegaram a pedir que tudo começasse de novo, que uma terceira votação fosse realizada. Mas o resultado final foi a eleição de Davi Alcolumbre com 42 votos, um parlamentar de 41 anos que integra o chamado “baixo clero”, sem atuação marcante como deputado federal, cargo que ocupou de 2003 a 2014, e também como senador, cujo mandato começou em 2015.
O novo presidente do Senado é investigado em dois inquéritos no Supremo Tribunal Federal por utilização de notas fiscais frias inidôneas para a prestação de contas, ausência de comprovantes bancários e contratação de serviços com data posterior à data das eleições. Também foi investigado por supostas ligações com o doleiro Fayed Trabouli, no escândalo sobre desvios de dinheiro de fundos de pensão de prefeituras e governos estaduais. (Com informações de Folha de São Paulo, Nexo Jornal, Metrópoles, Correio Braziliense, Rede Brasil Atual e EL País)