A desaposentação e seus impactos
Thais Riedel*
A desaposentação tem sido uma das principais discussões jurídicas em todo o país. Existem milhares de casos discutindo a possibilidade de se poder renunciar à aposentadoria anterior para se conseguir uma nova com valores maiores.
Inicialmente, cabe conceituar o instituto da desaposentação como o “ato de desfazimento da aposentadoria por vontade do titular, para fins de aproveitamento do tempo de filiação em contagem para nova aposentadoria, no mesmo ou em outro regime previdenciário.”
Ou seja, aquele que se aposentou, mas continuou trabalhando e vertendo contribuições para o sistema previdenciário solicita, após certo tempo contribuído, o desfazimento da aposentação anterior e a concessão de uma nova aposentadoria com cálculo mais vantajoso, já que considera uma idade e um período contributivo maior”.
Ocorre que não há nenhuma previsão legal sobre o tema, que surge como uma construção doutrinária a ser confirmada jurisprudencialmente. De um lado, os segurados defendem que a aposentadoria é direito patrimonial disponível e pode, portanto, ser objeto de renúncia para todos os fins, em especial para obtenção de benefício previdenciário mais vantajoso. Por outro, o Estado defende que não há lei que autorize a desaposentação já que se deve observar o Princípio da Legalidade, previsto no artigo 5º, II, CF/88.
Entretanto, sobre esse mesmo artigo constitucional, os autores reafirmam a possibilidade da desaposentação explicando que “é inevitável concluir-se pela sua legitimidade, seja perante a Constituição, ou mesmo sob o aspecto legal, inexistindo qualquer vedação expressa à opção pelo segurado em desfazer seu ato concessório do benefício previdenciário de aposentadoria.”
Dessa forma, em obediência ao postulado da Legalidade, segundo o qual “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, conclui-se que ao segurado é cabível a desaposentação, porquanto não existe vedação legal expressa.
Nos tribunais existem três posições divergentes. Uma delas é favorável ao INSS, que diz não ser possível a desaposentação por ausência de previsão legal e também porque a aposentadoria seria um ato jurídico perfeito o qual não poderia ser renunciado.
Outro parecer é parcialmente favorável aos segurados sob o entendimento que a aposentadoria é um direito disponível e, portanto, passível de renúncia, mas que por uma questão atuarial e de isonomia com os demais segurados, aquele que pedir a desaposentação terá que devolver os valores já recebidos a título de aposentadoria.
Por fim, há versão que é totalmente favorável ao segurado, e também predominante nos tribunais e no Superior Tribunal de Justiça – STJ, que confirma a possibilidade da desaposentação sem qualquer devolução aos cofres públicos, já que existiram contribuições posteriores que sustentariam atuarialmente o sistema, e também porque a aposentadoria seria uma verba de natureza alimentar.
A última palavra sobre o tema será dada pelo Supremo Tribunal Federal – STF, que já está tratando a matéria em julgamento com repercussão geral ainda não finalizado e, por enquanto, empatado quanto à viabilidade jurídica da desaposentação – com dois votos favoráveis e dois contra a desaposentação.
Entretanto, além dos argumentos estritamente jurídicos, um argumento que o governo tem sustentado é o econômico, pelos reflexos que a permissão da desaposentação causará ao sistema previdenciário. Assim, o INSS apresentou no processo nota técnica com dados e cálculos atuariais sobre os impactos financeiros da desaposentação para se pressionar um julgamento que leve em consideração a sustentabilidade da previdência social.
Tais dados têm sido questionados pelos segurados com outros pareceres técnicos, que contradizem o cálculo do governo, demonstrando que os números apresentados pelo INSS estão em desacordo com a previsão matemática compatível com a realidade do caso, e que o equilíbrio financeiro e atuarial fica mantido pelas novas contribuições vertidas ao sistema.
Em grande medida, a expectativa da desaposentação vem como um reflexo da criação do fator previdenciário – fórmula matemática que leva em consideração a idade da pessoa, o tempo que ela tem de contribuição e a sua expectativa de vida –, que normalmente reduz os valores das aposentadorias por tempo de contribuição.
Assim, os segurados sentem-se injustiçados por continuarem trabalhando e não terem a contrapartida dos novos valores vertidos para o sistema. O ideal seria a regulamentação da matéria para traçar de forma detalhada a situação do segurado que aposenta e continua a trabalhar, seja permitindo a desaposentação ou devolvendo os novos valores pagos, sob a forma de pecúlio.
Mas no formato em que se apresenta atualmente, não há como ignorar que a desaposentação encontra consonância com a Constituição Federal, que preserva os valores sociais do trabalho, o princípio da contrapartida e garante ao trabalhador diversos direitos sociais, inclusive uma melhor aposentadoria quando houver a devida contribuição.
(*) Mestre em Direito Previdenciário, presidente da Comissão de Seguridade Social da OAB-DF e presidente do Instituto Brasiliense de Direito Previdenciário – IBDPREV