O descaso com o apagão no Amapá
Brasil
Sem luz, sem água, sem alimento, sem internet e na pandemia, Estado vive dias de caos após uma semana de apagão. Enquanto o Brasil assistia o desfecho das eleições dos Estados Unidos, a população do Amapá recebe desinfetante para purificar a água recolhida da chuva e até de rios como solução para o desabastecimento.
Enquanto os olhos do Brasil se voltavam para as eleições estadunidenses, quase 900 mil brasileiros no Amapá sofrem desabastecimento. Num estado com 4 hidrelétricas: Cachoeira Caldeirão, Santo Antônio do Jari, Ferreira Gomes Energia e Coaracy Nunes, 14, dos 16 municípios do Amapá estão sem energia elétrica desde a última terça-feira, 3. O motivo foi um incêndio que atingiu os três únicos geradores de energia de uma subestação da Zona Norte. O fogo danificou um transformador e atingiu os outros dois – um deles já estava inoperante por causa de uma manutenção realizada desde dezembro de 2019.
O resultado é caótico: não há luz, nem água, nem internet, nem alimento. Há alvoroço para comprar combustível, para sacar dinheiro, para comprar água engarrafada e para carregar o celular. A gravidade do problema, em meio à pandemia do coronavírus, se choca com a indiferença do resto do país com o drama vivido pelos moradores.
Há denúncias de que parte da população mais vulnerável já passa fome e sede. O desabastecimento também é realidade. Vídeos enviados às redes sociais mostram a falta de água potável, de comida e até combustível na capital. O colapso no abastecimento de água está levando a população a uma medida extrema e paliativa: utilizar hipoclorito de sódio para tratar a água recolhida da chuva e até de rios e fontes naturais.
Muita gente se refugiou no Aeroporto Internacional de Macapá Alberto Alcolumbre, local que ainda tem energia elétrica, para recarregar os celulares. Além disso, falta água encanada, água mineral e gelo; Internet e serviços de telefonia quase não funcionam; postos de gasolina não tem gerador e não conseguem operar; caixas eletrônicos e máquinas de cartão não funcionam e, por isso, as pessoas não conseguem fazer compras.
O pedido de socorro dos amapaenses teve mais eco na bolha das redes sociais do que nas autoridades. Apenas na sexta-feira, 6, o presidente da República, Jair Bolsonaro, falou sobre o assunto nas suas redes sociais. No mesmo dia, o presidente acompanhou outra “pauta prioritária”. O líder do Executivo viajou para o Sul do país para acompanhar a formatura de 600 novos policias rodoviários federais em Santa Catarina, além de uma inauguração de uma pequena central hidrelétrica, no Paraná.
O Ministério de Minas e Energia afirmou que pode demorar de 15 a 30 dias a retomada completa do fornecimento de energia elétrica no Estado e anunciou um plano de emergência que até o momento não surtiu muito resultado.
Rodízio de energia atende bairros nobres e periferia fica no escuro – O governo federal disse ontem, 8, que 76% da energia foi retomada no Estado, que está sem energia desde terça-feira, 3. A previsão para restabelecer completamente o serviço, no entanto, é no fim desta semana.
O apagão reforça contrastes sociais que já eram visíveis no Amapá. Diferentemente do que ocorre na periferia da capital e cidades vizinhas, as regiões centrais têm alguma estabilidade na retomada do serviço de energia, com rodízio. Classes média e alta sentem menos a crise. Na residência do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM), no bairro do Trem, região central de Macapá, há um rodízio bem definido, com períodos de luz de 6 horas às 12 horas e de 18 horas à meia noite. Nas partes mais pobres, não há a mesma precisão.
Mesmo em Macapá, cidade que os Alcolumbre tentam o controle político, a situação segue dramática. “Estamos pedindo socorro. Estamos isolados”, desabafou Klebson Bosque, 42, após levar água para os pais, de 88 e 90 anos, que estão em apuros no Perpétuo Socorro. Moradores de bairros de população de baixa renda, como Pedrinhas, relataram que a noite de sábado para domingo foi mais uma vez no breu absoluto.
A energia chega a ser restabelecida em alguns momentos, mas não se mantém. O quadro varia de bairro a bairro. O temor de queima de eletrodomésticos demanda que sejam retirados das tomadas. Alguns relatam que a saída para não perder a pouca comida congelada que tinham é conservá-la em sal. O prejuízo, no entanto, é certo.
O que se tem de concreto, porém, é a indiferença e o descaso com o povo amapaense. E que parece não ter prazo para acabar. Como bem afirma a colunista do Estadão, Adriana Fernandes, “o Amapá está sendo tratado como periferia e o Brasil está de costas para ela”.