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Foto: Roque de Sá/Agência Senado

MP do Primeiro Emprego aprofunda reforma trabalhista

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A MP 905 faz parte da lógica de redução da fiscalização do trabalho e dos direitos trabalhistas, que começou a vigorar com a reforma trabalhista, aprovada em 2017.

Antônio Augusto de Queiroz*

Em palestra no 37º Enafit – Encontro Nacional dos Auditores-Fiscal do Trabalhado, proferida em 19 de novembro de 2019, na cidade de Aracaju/SE, tive a oportunidade de discorrer sobre os impactos da MP 905 sobre a fiscalização do Trabalho e os direitos trabalhistas, cujas reflexões compartilho neste artigo.

O governo do presidente Jair Bolsonaro editou, no último dia 11 de novembro, sem nenhuma consulta à representação dos trabalhadores, a MP 905, que – além de complexa, de amplo alcance e profundidade – flexibiliza ou reduz direitos e incorre em várias inconstitucionalidades.

A iniciativa de criar formas e meios para gerar emprego para os jovens adultos é meritória, porém, o método parece inadequado, tanto por transferir para os desempregados o financiamento do programa de geração de emprego, quanto por aproveitar-se de norma provisória para modificar regras permanentes da CLT. O Congresso Nacional deveria separar os temas, devolvendo a parte que trata da reforma permanente, afinal o próprio governo criou o Gaet – Grupo de Altos Estudos do Trabalho exatamente para avaliar o mercado de trabalho e propor mudanças de “modernização” das relações de trabalho e matérias correlatas.

A Medida Provisória 905, editada sob a promessa de geração de 4 milhões de empregos, institui novas modalidades de contratação por prazo determinado, em bases precárias e provisórias, para pessoas com idade entre 18 e 29 anos, sem vínculo empregatício anterior, mas vai muito além ao ampliar o escopo da Reforma Trabalhista e das medidas da lei da Liberdade Econômica, além de promover centenas de mudanças em dispositivos permanentes da CLT, aprofundando a precarização das relações de trabalho.

De acordo com a MP, as empresas poderão contratar, pelo prazo predeterminado de até 24 meses, com redução de direitos e com remuneração máxima de 1 salário mínimo e meio, até 20% de seu quadro funcional, na modalidade de primeiro emprego, com redução de 30 a 34% no custo da contratação. O período para aferição do percentual de 20%, para efeito de novas contratações, vai de 1º a 31 de outubro de 2019 e não considera nessa categoria o menor aprendiz, o contrato por experiência e o avulso, ampliando o conceito de primeiro emprego.

O programa tem validade de 5 anos, pois o prazo de contratação se inicia em 1º de janeiro de 2020 e vai até 31 de dezembro de 2022. Como o empregador tem direito a 24 meses de desoneração, em relação ao empregado contratado pela nova modalidade, o programa só expira em 31 de dezembro de 2024.

O primeiro emprego será financiado pelos desempregados, com parcela do seguro-desemprego, e o patrão que contratar nessa modalidade ficará livre de alguns encargos trabalhistas, previdenciários e de fiscalização, além da liberdade de negociar direta e individualmente com o empregado as condições de trabalho e remuneração, desde que não supere 1 salário mínimo e meio, nem ultrapasse 20% de seu quadro funcional.

Entre as vantagens para o patrão estão, além da ausência ou flexibilização dos mecanismos de registro e de fiscalização do trabalho e da possibilidade de acordo extrajudicial anual para quitação de obrigações como a:

1) desoneração da folha;

2) redução da negociação coletiva e da ação sindical;

3) redução do valor da remuneração, que fica limitada a 1 salário mínimo e meio;

4) redução do depósito do FGTS, que cai de 8 para 2%;

5) redução do adicional de periculosidade, que é reduzido de 30 para 5%, desde que o patrão contrate seguro de acidente pessoal para o empregado;

6) redução da multa rescisória, que cai drasticamente (de 40% para 10%);

7) eliminação, de modo permanente, da multa adicional de 10% sobre o saldo do FGTS no momento da rescisão;

8) permissão, por negociação individual, que o empregador inclua na remuneração mensal do empegado, como forma de evitar passivos futuros, assim como já faz com o empregado doméstico, as parcelas relativas: de férias; do FGTS; do 13º salário; e da multa rescisória.

Na parte relativa à fiscalização do Trabalho, conforme registra a Nota Técnica do DIAP – elaborada pelo membro do corpo técnico da entidade, Luiz Alberto dos Santos – em que pese o fato de reservar para a Auditoria-Fiscal do Trabalho a exclusividade para fiscalizar a aplicação das normas trabalhistas, promove ao mesmo tempo a precarização das normas, conforme segue:

1) altera as normas relativas à “dupla visita orientadora”;

2) amplia os casos em que haverá a dupla visita, limitando a atuação do auditor-fiscal;

3) fixa prazo de 180 dias para a dupla visita quando houver promulgação ou expedição de novas leis, regulamentos ou instruções normativas ou no caso da primeira inspeção dos estabelecimentos ou dos locais de trabalho, recentemente inaugurados;

4) acrescenta na CLT a previsão da dupla visita no caso de micro e pequenas empresas, que já está prevista no art. 55 da Lei Complementar 123, mas amplia esse critério para empresas com até 20 trabalhadores, seja ou não micro ou pequena empresa;

5) acrescenta nova hipótese de dupla visita no caso de infrações de menor gravidade sobre segurança e saúde do trabalhador, na forma do regulamento;

6) acrescenta, ainda, nova hipótese da dupla visita, quando se tratar de inspeção agendada com a Secretaria, ou seja, mediante solicitação da própria empresa;

7) fixa prazo de 90 dias como intervalo da “dupla visita”, a pretexto de conferir ao empregador prazo para se adequar;

8) exclui o critério da dupla visita apenas nos casos de infrações mais graves, e mais expressamente no caso de ter havido acidente do trabalho fatal;

9) nos casos de dupla visita, o auto de infração só será aplicado, na segunda fiscalização, se a infração permanecer;

10) cria obrigatoriedade de planejamento das ações de inspeção do trabalho, que deverá contemplar projetos especiais de fiscalização para prevenção de acidente e doenças ocupacionais e irregularidades, por setor, conforme ato do secretário especial. E, quando houver planejamento de ação de prevenção ou saneamento, o auditor ficará dispensado de lavrar auto de infração;

11) transfere, na prática, a competência de formulação dos atos e normas sobre a fiscalização do trabalho da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho para a Secretaria do Trabalho, do Ministério da Economia;

12) além disso, a previsão de que haverá ações coletivas de prevenção e saneamento implica em enfraquecimento da capacidade fiscalizatória e coercitiva, limitando o poder punitivo da fiscalização;

13) prevê, ainda, a possibilidade de a Inspeção do Trabalho praticar atos de fiscalização por meio eletrônico;

14) retira, ainda, da alçada do presidente da República a edição do Regulamento de Inspeção do Trabalho, ao permitir que ato do Ministério da Economia disponha sobre o procedimento especial para a ação fiscal, com o objetivo de fornecer orientações sobre o cumprimento das leis de proteção ao trabalho e sobre a prevenção e o saneamento de infrações à legislação por meio de termo de compromisso, com eficácia de título executivo extrajudicial. Essa norma, ao dispor sobre esse procedimento, poderá alcançar grande número de situações hoje sujeitas ao Regulamento da Inspeção do Trabalho;

15) o art. 627-B prevê que o planejamento das ações de inspeção do trabalho deverá contemplar a elaboração de projetos especiais de fiscalização setorial para a prevenção de acidentes de trabalho, doenças ocupacionais e irregularidades trabalhistas a partir da análise dos dados de acidentalidade e adoecimento ocupacionais e do mercado de trabalho, conforme estabelecido em ato da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia. Da mesma forma, esse “planejamento” poderá tornar sem validade o Regulamento;

16) institui o domicílio eletrônico, determinando que o auto de infração será lavrado no curso da ação fiscal, preferencialmente em meio eletrônico, e registrado pelo órgão fiscalizador, de modo a assegurar o controle de seu processamento. Assim, as ações de inspeção, exceto se houver disposição legal em contrário, que necessitem de atestados, certidões ou outros documentos comprobatórios do cumprimento de obrigações trabalhistas, que constem em base de dados oficial da Administração Pública federal, deverão obtê-las diretamente nas bases geridas pela entidade responsável e não poderão exigi-las do empregador ou do empregado. Trata-se de norma que já vigora, porém na forma de decreto.

17) cria o Conselho Recursal paritário e tripartite, uma espécie de “Carf”, para os recursos sobre penalidades na esfera trabalhista, que será integrado à Secretaria de Trabalho da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, composto por representantes dos trabalhadores, dos empregadores e dos auditores fiscais do Trabalho, designados pelo secretário especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, na forma e nos prazos estabelecidos em regulamento. Retoma proposta que já vinha sendo examinada no governo Temer e chegou a constar do substitutivo do relator da então MP da Liberdade Econômica; e

18) a possibilidade de o auditor-fiscal poder firmar Termo de Compromisso, com eficácia liberatória, embora possa parecer ampliação de prerrogativa, na prática pode significar concorrência com o TAC, do Ministério Público do Trabalho, considerado muito duro com o patronato pelo atual governo. Se a empresa firmar TAC não poderá ser obrigada a firmar termo de compromisso e vice-versa.

Por fim, registre-se que a ampliação de prerrogativas dos auditores fiscais do Trabalho, especialmente a exclusividade de fiscalização das normas de proteção ao trabalho, bem como a possibilidade de firmar Termo de Compromisso com eficácia liberatória, em igualdade de condições com o TAC – Termo de Ajuste de Conduta do Ministério Público do Trabalho, vem junto com a perda de poder da inspeção na elaboração da norma.

A MP, conforme Nota Técnica do Dieese, apresenta várias contradições, além de precarizar ainda mais as relações de trabalho. Por exemplo:

1) desonera as empresas, mas onera os desempregados com o pagamento da contribuição previdenciária para aqueles que acessarem o seguro desemprego;

2) a nova modalidade de contratação, mais do que promover empregos, poderá facilitar a demissão de trabalhadores, além de estimular a informalidade – sem carteira de trabalho assinada–, a depender da classificação das multas, do enquadramento por porte econômico do infrator e da natureza da infração, que serão definidos posteriormente pelo Executivo federal;

3) enfraquece os mecanismos de registro, de fiscalização e de punição e determina a redução de custos com a demissão;

4) aumenta a jornada de trabalho no setor bancário para todos os trabalhadores e trabalhadoras, de 6 para 8 horas, exceto para os que trabalham na função de caixa, além de autorizar a abertura de agências bancários e o trabalho aos sábados;

5) amplia a desregulamentação da jornada de trabalho instituída na Reforma Trabalhista de 2017 com a liberação do trabalho aos domingos e feriados, sem pagamento em dobro, pago apenas se o trabalhador não folgar ao longo da semana;

6) promove a negociação individual e a fragmentação das normas por meio de acordos coletivos de trabalho – ACT;

7) retira o sindicato das negociações de PLR – Participação nos Lucros e Resultados e amplia o número máximo de parcelas, de 2 para 4, ao longo do ano, caminhando para transformar a PLR em parcela variável cada vez maior do salário;

8) dificulta a fiscalização do trabalho, inclusive em situações de risco iminente, além de retirar do sindicato a autoridade para também interditar local de trabalho com risco iminente;

9) institui o Conselho do Programa de Habilitação e Reabilitação Física e Profissional, Prevenção e Redução de Acidentes do Trabalho, sem participação das representações dos trabalhadores e trabalhadoras e nem mesmo do Ministério da Saúde, medida que flexibiliza as normas regulamentadoras – NR da Saúde e Segurança do Trabalho promovida pelo governo, além de contrariar a orientação da OIT, que recomenda espaços tripartites para tratar dos temas relativos à saúde do trabalhador;

10) cria Fundo que será gerido pelo Conselho de Habilitação e Reabilitação Física, Profissional e Redução de Acidente do Trabalho, financiado com receitas de condenações de ações civis públicas trabalhistas e os valores arrecadados nas condenações por dano moral coletivo constantes nos TAC. A reabilitação Física de Profissional, Prevenção e Redução de Acidente do Trabalho se restringe ao ambiente do trabalho, deixando de fora as demais situações como trabalho escravo, trabalho infantil, fraudes nas relações de trabalho, irregularidades trabalhistas na Administração Pública, liberdade sindical, promoção de igualdade de oportunidades, combate à discriminação no trabalho, entre outras;

11) altera a regra para concessão do auxílio-acidente, remetendo para a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, do Ministério da Economia, a competência para definir, em regulamento, a lista das situações que dará direito ao benefício, além de reduzir o valor do salário-acidente de 50% do salário de benefício – que considera a média de todas as contribuições para 50% do benefício de aposentadoria por invalidez;

12) revoga o dispositivo do plano de benefício do INSS que assegura a equiparação a acidente de trabalho, para os fins de aposentadoria, do acidente sofrido pelo segurado “no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado”;

13) altera a Lei do Seguro Desemprego para submeter o benefício do seguro-desemprego a contribuição previdenciária, tornando o trabalhador em gozo do benefício “contribuinte obrigatório” enquanto perceber o benefício;

14) institui multas que variam de R$ 1 mil a R$ 50 mil por infrações que atinjam os trabalhadores de forma coletiva – o que será modulado pelo porte da empresa – e multas entre R$ 1 mil a R$ 10 mil para situações em que o fato gerador da infração esteja relacionado a um trabalhador específico, incluindo a multa ao trabalhador por não votar nas eleições sindicais; e

15) revoga quase uma centena de itens da Consolidação das Leis do Trabalho, entre os quais, direitos e medidas de proteção ao trabalho, a necessidade de aprovação prévia da instalação de caldeira e forno, assim como o artigo 160, que estabelece que “Nenhum estabelecimento poderá iniciar suas atividades sem prévia inspeção e aprovação das respectivas instalações pela autoridade regional competente em matéria de segurança e medicina do trabalho”.

Como se vê, a MP 905 faz parte da lógica de redução da fiscalização do trabalho e dos direitos trabalhistas, possibilitando: 1) acordo extrajudicial anual para quitação de obrigações; 2) liberação do trabalho ao domingos e férias, sem negociação sindical nem pagamento adicional, desde que tenha folga em outro dia da semana; 3) mudança, para menor, dos índices de correção dos débitos trabalhistas; 4) possibilidade de termo de ajuste de conduta, inclusive como prevenção, em caso de acidente de trabalho e reabilitação profissional; 5) adoção do sistema de recurso, com flexibilização da fiscalização do trabalho, proibindo a multa em 1ª visita, além de classificar as multas entre leves, médias, graves e gravíssimas, de acordo com o número de empregados e faturamento da empresa.

*Jornalista, analista político e diretor do Diap.  

 

CNTS

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