Mortes de bebês indígenas crescem 12% após saída dos médicos cubanos
Saúde
Número de mortes foi maior desde 2012, ano anterior ao início do Programa Mais Médicos; especialistas e indígenas culpam 'apagão' causado por mudanças no governo Bolsonaro.
Após atingir níveis historicamente baixos em um período que coincidiu com a execução do Programa Mais Médicos, a mortalidade de bebês indígenas voltou a subir em 2019 – depois da saída de médicos cubanos que atuavam pelo programa – e retornou aos patamares anteriores à iniciativa.
Dados do Ministério da Saúde obtidos pela BBC News Brasil com base na Lei de Acesso à Informação mostram que, entre janeiro e setembro de 2019 – último mês com estatísticas disponíveis –, morreram 530 bebês indígenas com até um ano de idade, alta de 12% em relação ao mesmo período de 2018.
Indígenas e especialistas no setor citam entre as causas para o aumento o fim do convênio entre o Mais Médicos e o governo de Cuba, no fim de 2018, e mudanças na gestão da saúde indígena no governo Jair Bolsonaro.
Logo no mês seguinte ao fim do convênio com Cuba, em janeiro de 2019, houve 77 mortes de bebês indígenas – o índice mais alto para um único mês desde pelo menos 2010, quando se inicia a série de dados obtida pela BBC News Brasil.
Os 301 cubanos contratados pelo programa respondiam por 55,4% dos postos de médico na saúde indígena. Desde a saída do grupo, o governo repôs a maioria das vagas com médicos brasileiros, mas muitos líderes comunitários dizem que houve piora nos serviços.
A principal causa das mortes dos bebês em 2019 foram algumas afecções originadas no período perinatal – 24,5%; doenças do aparelho respiratório –22,6%; e algumas doenças infecciosas e parasitárias – 11,3%. O índice de mortes de bebês indígenas em 2019 foi o maior desde 2012, quando houve 545 casos entre janeiro e setembro.
O Mais Médicos teve início no ano seguinte, em 2013. Entre 2014 e 2018, o indicador caiu para uma média de 470 mortes por ano.
Para calcular o índice de mortalidade infantil entre indígenas em 2019 seria necessário considerar o total de bebês nascidos no período — número ainda não disponível. Em 2016, o Ministério da Saúde lançou um programa para tentar reduzir esse índice em 20% até 2019. Naquele ano, havia 31,28 mortes de bebês indígenas por mil nascidos vivos – mais do que o dobro da média nacional – 13,8. A maioria das mortes – 65% era causada por doenças e causas evitáveis.
Regiões mais afetadas – O atendimento das comunidades nativas é uma atribuição da Secretaria Especial de Saúde Indígena – Sesai, subordinada ao Ministério da Saúde. A secretaria gere 35 Distritos Sanitários Especiais Indígenas – DSEIs, responsáveis pelos cuidados de cerca de 765.600 indígenas em todo o país.
Entre 2018 e 2019, houve aumento na mortalidade de bebês em 18 desses distritos, e em cinco deles o índice mais do que dobrou. Os distritos com mais mortes de bebês foram Yanomami – 97, Alto Rio Solimões – 54 e Xavante –47.
A maior variação ocorreu no DSEI Bahia. Entre janeiro e setembro de 2019, 11 bebês indígenas com até um ano morreram na região, número quase quatro vezes maior do que o registrado no mesmo período de 2018, que foram 3.
Sérgio Bute, indígena do povo pataxó hã-hã-hãe que preside o Conselho Distrital de Saúde Indígena – Condisi da Bahia, atribuiu as mortes à saída dos cubanos e a problemas no transporte de pacientes e equipes de saúde. Ele diz à BBC News Brasil que a saída dos profissionais – 20 médicos cubanos atuavam no distrito – foi “um desastre grande”.
“Eles (cubanos) não faziam objeção, não criavam nenhuma dificuldade para ir na aldeia, conviver com a realidade. Com a saída deles, sentimos esse impacto”, afirma.
Problemas de gestão – Indígenas e servidores do Ministério da Saúde ouvidos pela reportagem citaram ainda, entre as causas para o aumento nas mortes de bebês indígenas em 2019, mudanças ocorridas na Sesai após a posse de Bolsonaro.
Servidores da Sesai que não quiseram ser identificados disseram que a secretaria afastou vários técnicos experientes que eram considerados próximos da gestão anterior. Uma das pessoas exoneradas era a principal responsável pelas ações contra a mortalidade infantil, a nutricionista Janini Selva Ginani. Também foram substituídos os principais gestores dos DSEIs, que, por sua vez, afastaram muitos profissionais de saúde que atuavam nas comunidades.
Segundo os servidores, as mudanças teriam provocado ruptura nas atividades e alijado pessoas cruciais para a continuidade dos trabalhos. A situação teria se agravado no início do ano quando empresas conveniadas que prestam serviços de saúde nos DSEIs anunciaram não ter recebido pagamentos do Ministério da Saúde e interromperam atividades.
Já o Ministério da Saúde diz que “não houve suspensão de pagamento às entidades conveniadas”. “Cabe ressaltar que os DSEIs têm repasses mensais garantidos para pagar contratações nos três primeiros meses, após esse período, os repasses passam a ser garantidos de forma trimestral. Contudo, as entidades possuem saldos para honrar os pagamentos de seus profissionais que atuam nos DSEIs, não havendo prejuízo ou interrupção nos serviços”, diz nota do órgão.
Em diferentes partes do país, porém, houve protestos em que funcionários das conveniadas cobraram o pagamento de salários atrasados. O impasse durou vários meses. O mês de maio, durante o imbróglio, registrou o maior número de mortes de indígenas de todas as idades em todo o ano: 305, número 15% maior que a média mensal de mortes até setembro – 264,7.