Butantan diz que ataques do governo Bolsonaro à China afetam vacinas
Brasil
Dimas Covas, presidente do Instituto, diz que entraves diplomáticos causados por falas de Jair Bolsonaro e Paulo Guedes têm causado mudanças nos prazos e no volume de insumos recebidos. Instituto diz que só tem imunizante até 14 de maio.
O presidente do Instituto Butantan, Dimas Covas, afirmou na quinta-feira, 6, que os ataques do governo Bolsonaro à China já provocam atrasos e reduções na entrega das matérias-primas necessárias para a confecção das vacinas. Segundo ele, só há doses disponíveis de Coronavac, o principal imunizante usado no país, até o próximo dia 14 de maio. O Instituto trabalhava com a expectativa de receber uma nova remessa de insumos – IFA, usados também na produção da AstraZeneca, até o dia 10 de maio, data que foi postergada para o dia 13 de maio. O volume inicial, que era de 6 mil litros, também foi reduzido para 2 mil litros. “Claramente tem aí mudanças que não são mudanças de produção do Sinovac [laboratório chinês que faz parceria com o instituto], mas sim consequências da falta de alinhamento do governo federal”, afirmou, após entregar um milhão de doses da Coronavac ao Ministério da Saúde. Mais de 75% das vacinas distribuídas contra Covid-19 no Brasil até o momento foram envasadas pelo Butantan em parceria com os chineses.
Depois de o Ministro da Economia, Paulo Guedes, ter sido gravado no final de abril afirmando que os chineses “inventaram” o coronavírus e que a vacina desenvolvida pelo país asiático contra a doença é menos efetiva que o imunizante da norte-americana Pfizer – ele depois admitiu ter usado uma “imagem infeliz”. Não foi o único membro do círculo do presidente que fizeram ataques do gênero. O filho “03” do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro, e os ex-ministros Ernesto Araújo e Abraham Weintraub já haviam distribuído ataques contra os chineses ou espalhado teorias conspiratórias envolvendo o país asiático. Na quarta-feira, 5, Bolsonaro insinuou que a China teria criado o vírus em laboratório como parte de uma “guerra química” – uma acusação que contraria a Organização Mundial de Saúde – OMS, que aponta que o vírus provavelmente tem origem animal.
Dimas Covas rebateu as afirmações do presidente na quinta-feira. “Todas as declarações neste sentido têm repercussão. Nós já tivemos um grande problema no começo do ano e estamos enfrentando de novo esse problema”, afirmou o diretor do Butantan.
A China é o maior parceiro comercial do Brasil e principal país de origem dos insumos usados no envasamento de vacinas contra a Covid-19 distribuídas aos brasileiros. Entre janeiro e abril, dentro do contexto dos ataques do governo Bolsonaro à China, diversas remessas de insumos com origem no país asiático que eram esperadas pela Fiocruz e pelo Butantan sofreram atrasos. Os chineses afirmaram que eram meros entraves burocráticos, mas os episódios levantaram questionamentos sobre eventuais retaliações por parte de Pequim à postura de Bolsonaro e seu círculo.
“Embora a embaixada da China no Brasil venha dizendo que não há esse tipo de problema, a nossa sensação de quem está na ponta é que existe dificuldade, uma burocracia que está sendo mais lenta do que seria habitual e com autorizações muito reduzidas e volumes. Então obviamente essas declarações têm impacto e nós ficamos à mercê dessa situação”, completou. “Pode faltar [insumos]? Pode faltar. E aí nós temos que debitar isso principalmente ao nosso governo federal que tem remado contra. Essa é a grande conclusão”, disse Covas.
Doria: “É lamentável e inacreditável” – O governador paulista também criticou Bolsonaro pelos recentes ataques à China e fez críticas à falta de atuação na diplomacia do governo brasileiro em relação ao país asiático.
“É lamentável que depois de o ministro Paulo Guedes falar mal da China, da vacina, criticando o governo chinês, agora o presidente Jair Bolsonaro seguindo na mesma linha. É inacreditável que, diante de uma circunstância que precisamos salvar vidas e ter mais vacinas, tenhamos alguém criticando a China, o nosso grande fornecedor de insumos para a vacina”, afirmou Doria.
Ainda na quarta-feira, Bolsonaro fez outras declarações que contrariam o consenso científico em relação à pandemia. Ele chamou de “canalhas” aqueles que se opõem ao ineficaz “tratamento precoce” promovido pelo governo e diz que o uso de máscaras já “encheu o saco”. Ele ainda ameaçou usar as Forças Armadas contra governadores e prefeitos para impedir a imposição de medidas de isolamento. A série de declarações foi encarada por analistas como uma cortina de fumaça para desviar o foco da CPI da pandemia no Senado.
Na quarta-feira, a Comissão ouviu o ex-ministro da Saúde Nelson Teich, que relatou que deixou a pasta por não ter contado com autonomia para realizar seu trabalho e por se recusar a ceder à pressão do Planalto para expandir o uso de remédios ineficazes.
Reação à sinofobia – A reação da China à sinofobia do presidente brasileiro mudou de patamar. Dessa vez, a resposta à ofensa do capitão não soou na embaixada chinesa em Brasília, mas em Pequim. O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Wang Wenbin, diz ser contra a politização da doença. “O vírus é o inimigo comum da humanidade. A tarefa urgente agora é que todos os países se unam na cooperação antiepidêmica e se esforcem por uma vitória rápida e completa sobre a epidemia. Opomo-nos firmemente a qualquer tentativa de politizar e estigmatizar o vírus”, afirmou o porta-voz.
Em depoimento à CPI da Covid, o ministro Queiroga minimizou os efeitos da declaração tóxica de Bolsonaro. Ele informou aos membros da Comissão que visitaria o embaixador chinês na companhia do chanceler Carlos Alberto França. “Vamos continuar trabalhando para manter as boas relações que o Brasil tem com a China”, ele disse. O senador petista Humberto Costa ironizou: “Imagino que ajudou muito a fala do presidente. E o senhor vai chegar amanhã na Embaixada da China e vai ser recebido de braços abertos”.