Anvisa rejeita importação da vacina russa Sputnik V
Saúde
Agência aponta falta de dados técnicos e incertezas quanto à segurança e à eficácia do imunizante contra Covid-19 desenvolvido na Rússia. Vários estados solicitaram aval para aquisição da vacina. Os fabricantes da vacina russa consideraram a decisão política.
A diretoria da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa rejeitou na noite da segunda-feira, 26, por unanimidade, pedidos de autorização da importação da vacina russa Sputnik V no Brasil, por considerar que faltam dados técnicos para verificar a segurança e a eficácia do imunizante contra a Covid-19. “Jamais permitiremos que milhões de brasileiros sejam expostos a produtos sem a devida comprovação de qualidade, segurança e eficácia ou, minimamente, diante da grave situação que atravessamos, que haja uma relação favorável risco-benefício”, afirmou Antônio Barra, diretor-presidente da Agência.
Os cinco diretores da Anvisa seguiram a recomendação da área técnica da entidade, que identificou diversas “incertezas” em relação à segurança e à eficácia do imunizante. Produzida pelo Instituto Gamaleya, da Rússia, a vacina ainda não foi aprovada pela Agência Europeia de Medicamentos – EMA ou pela Administração Federal de Alimentos e Medicamentos – FDA, dos Estados Unidos.
Dez estados tiveram seus pedidos de aquisição do imunizante avaliados pela Anvisa: Acre, Bahia, Ceará, Maranhão, Mato Grosso, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Rondônia e Sergipe. Além desses, também estão com pedidos pendentes de avaliação Alagoas, Amapá, Pará e Tocantins e os municípios de Niterói (RJ) e Maricá (RJ). Ao todo, esses pedidos somam 66 milhões de doses, que poderiam vacinar cerca de 33 milhões de pessoas, por meio de duas doses.
Os cinco diretores seguiram a recomendação das três áreas técnicas envolvidas na avaliação: as gerências de medicamentos/produtos biológicos, fiscalização e monitoramento, que defenderam a não autorização da importação. Os servidores apontaram a falta do relatório técnico da vacina e uma série de falhas nos estudos e processos produtivos do imunizante.
Sem receber dos Estados os dados básicos do imunizante, a agência brasileira pediu informações às autoridades russas e de países que já utilizam a vacina, como Argentina e México, e encontraram irregularidades no produto.
Um dos problemas mais graves apontados foi a identificação em lotes da vacina de adenovírus que podem se replicar nas células humanas. O adenovírus é usado como um vetor que leva o material genético do coronavírus ao indivíduo vacinado, mas deve estar “inativado”, sem a capacidade de se replicar e provocar doença.
“Verificamos a presença de adenovírus replicante em todos os lotes. Isso é uma não-conformidade grave e está em desacordo com o desenvolvimento de qualquer vacina de vetor viral. A presença de um adenovírus pode ter impacto na nossa segurança quando utilizamos a vacina”, destacou Gustavo Mendes, gerente-geral de medicamentos e produtos biológicos da Agência.
Falta de dados – Além disso, a Gerência Geral de Inspeção e Fiscalização da Anvisa informou que não foi apresentado pelas empresas que fabricam a Sputnik V um relatório técnico para verificar o controle de qualidade na produção.
Uma inspeção no Instituto Gamaleya, desenvolvedor da vacina, foi negada pelo governo russo, mas a Anvisa inspecionou duas fabricantes, a Generium e a UfaVITA. De acordo com a gerente de inspeção, Ana Carolina Merino, foram constadas não conformidades na fabricação que influenciam a garantia de esterilidade do imunizante, e que, portanto, a importação do produto não é recomendada.
Mendes também apontou haver uma falha no controle de qualidade quanto a possíveis impurezas na vacina. “A empresa não demonstrou que controla de forma eficiente o processo para evitar outros vírus contaminantes. Isso tem um potencial impacto na segurança das pessoas que forem vacinadas”, afirmou.
Suzie Marie Gomes, gerente-geral de Monitoramento de Produtos Sujeitos à Vigilância Sanitária da Anvisa, apontou ainda que faltam informações conclusivas sobre eventos adversos de curto, médio e longo prazos decorrentes do uso da vacina. “A ausência de dados também é informação. A ausência de comprovação é considerada uma evidência, e uma evidência forte”, disse.
Fabricantes criticam decisão “política” – Os fabricantes da vacina russa contra a Covid-19 Sputnik V criticaram a decisão do governo brasileiro, que consideram “política”, de não autorizar a importação do fármaco. “Os atrasos da Anvisa na aprovação da Sputnik V são, infelizmente, de natureza política e não têm nada a ver com acesso à informação ou ciência”, afirma a conta no Twitter da vacina russa.
“O Departamento de Saúde dos Estados Unidos, em seu relatório anual de 2020 há vários meses, declarou publicamente que o adido de saúde dos Estados Unidos ‘persuadiu o Brasil a rejeitar a vacina russa'”, completa.
A vacina Sputnik V está sendo aplicada em vários países além da Rússia, como Argentina, México, Venezuela, Índia, Irã, Gana, Sérvia, Hungria e Eslováquia. De acordo com o instituto russo Gamaleya, que desenvolveu a vacina, o fármaco foi autorizado em mais de 60 países. Em fevereiro, a prestigiosa revista médica The Lancet informou que a eficácia da Sputnik V era de 91,6%, um dado que dissipou as dúvidas sobre sua confiabilidade.