Em três meses, mais de mil profissionais desistem do Mais Médicos
Saúde
Segundo o Ministério da Saúde, o maior volume é registrado em cidades com 20% ou mais da população em extrema pobreza.
Cerca de 15% dos médicos brasileiros que entraram no Mais Médicos após a saída dos cubanos desistiram de participar do programa nos primeiros três meses. De acordo com levantamento do jornal Folha de São Paulo, ao menos 1.052 profissionais que assumiram entre dezembro de 2018 e janeiro deste ano já deixaram as vagas. No total, 7.120 brasileiros ingressaram no programa nas duas primeiras rodadas de seleção após o fim da participação de Cuba no Mais Médicos.
Segundo dados do Ministério da Saúde, o maior volume de saídas do programa é registrado em cidades com 20% ou mais da população em extrema pobreza. São 324 desistências, ou 31% do total. Em seguida estão capitais e regiões metropolitanas, com 209 desistências, ou 20%.
Os dados divulgados em reportagem da Folha de S. Paulo são parte do cenário que já tinha sido previsto por médicos da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares – RNMMP. “Tem semelhança de outros momentos, mas o fato de ter tido um percentual maior de desistências está relacionado ao fato que as vagas que foram ofertadas nesse momento foram nas áreas onde estavam os cubanos, cidades mais pobres, que nitidamente os brasileiros não querem ir”, explicou o ex-coordenador do Programa Mais Médicos durante o governo Dilma, o médico Felipe Proenço.
Segundo o ministério, o tempo médio de permanência dos dois primeiros grupos de profissionais variou de uma semana a três meses. Os principais motivos relatados aos municípios para a saída foram a busca por outros locais de trabalho e por cursos de especialização e de residência médica.
Na opinião de Proenço, o número de desistências ainda pode aumentar. “As residências chamam até o dia 1º de abril. Ao longo do mês de março também podem ter ocorrido novas desistências”.
O médico pontua ainda grande número de postos ociosos, mesmo antes da saída dos profissionais cubanos, estimado em 2000 postos, “o que estaria gerando uma desassistência muito importante nas pequenas cidades, nas mais vulneráveis”, afirma.
Em nota, o Ministério da Saúde diz que as vagas oriundas das desistências “poderão ser ofertadas em novas fases de provimento de profissionais ainda em análise”.
Em audiência no Senado na última semana, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, disse que a previsão é enviar ao Congresso um novo projeto para substituir o Mais Médicos ainda neste mês.
Programa – O programa Mais Médicos foi lançado em 2013 pelo governo da presidente Dilma, com o objetivo de, através da presença de médicos de outros países, suprir a carência desses profissionais nos municípios do interior e nas periferias das grandes cidades brasileiras. Segundo dados do Ministério da Saúde de Cuba, atenderam mais de 113,3 milhões de pacientes em mais de 3.600 municípios brasileiros. Os médicos cubanos constituíam 80% dos médicos do programa, que levou a mais de 700 municípios um médico pela primeira vez na história.
À época da saída dos médicos, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde – Conasems mostrou-se preocupado, já que a maioria dos médicos cubanos trabalha “em áreas vulneráveis e com baixos índices de fixação profissional”, como o Norte, o Nordeste e as periferias das grandes cidades, onde o interesse dos profissionais brasileiros em ocupar as vagas é menor.
Vale ressaltar que os locais onde os cubanos atuam foram oferecidos antes a médicos brasileiros, que não aceitaram trabalhar nessas localidades. A região Norte do país é onde mais sobram vagas no programa Mais Médicos. No Amazonas, 34,7% das vagas ainda estão disponíveis. Do total de 322 vagas abertas no edital, faltam 112 médicos se apresentarem em 21 municípios amazonenses.
A saída dos médicos cubanos do Programa Mais Médicos teve impacto no atendimento aos povos indígenas. Segundo dados de 2017, 90% dos médicos que atuavam pelo programa em áreas indígenas eram cubanos. Os números são do monitoramento do Mais Médicos feito pela Organização Panamericana de Saúde – Opas e pela Organização Mundial de Saúde – OMS.
O atendimento a essa população específica era feito por 321 profissionais, segundo a Opas. Desse total, 289 deles eram cubanos. Eles estavam divididos entre os 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas – DSEIs e atendiam, ao todo, 642 mil pessoas.
Segundo levantamento da entidade, em dezembro, uma área com 17 mil indígenas e 120 aldeias estava na lista dos distritos indígenas que concentram 59% das vagas não ocupadas do Mais Médicos. Depois da saída dos médicos cubanos, a área contava com apenas um profissional atendendo.